Pão Caseiro Fofinho: Um Abraço em Forma de Massa
Hoje eu relembrei que eu tive vários traumas gastronômicos e muitos deles graças ao meu irmão mais velho. Passei anos sem tomar café com leite, porque ele jogou margarina no meu café com leite e vendo aquela margarina derretendo, foi me dando um nojo tremendo. Superei este trauma recentemente.
Agora acho que o pior dos traumas se deu por causa de um
desarranjo intestinal com duração de uma semana logo depois do almoço na
bandejão da Unicamp e tudo que me vinha à mente era o chuchu com molho branco
que havia comido naquela refeição. Lembro da cara dele até hoje claramente.
Hoje estou disposto a EXTERMINAR este trauma. Vou preparar
um Chuchu ao molho branco aromatizado com ervas frescas e temperado com flor de
sal com funghi. Acho que eu preparando, o trauma pode ser minimizado, me dando
mais coragem.
Após a finalização do prato com direito a uma apresentação
com salsinha pulverizada e tudo, passamos à sensação de comer chuchu com molho
branco depois de mais de 20 anos.
Quando experimentei, tive uma sensação de quase vomitar. Mas
me concentrei nos temperos que eu poderia diferenciar. Vi que o chuchu deveria
ter sido cozido com mais sal, mas que o manjericão estava um pouco presente e o
molho branco estava divino. Quando percebi, já tinha comido e até me
simpatizado com aquilo que quase me matou.
Acho que o teste foi muito válido e que estou quase pronto
para enfrentar comidas mais traumatizantes, tais como, rins, língua, testículos
de boi e cabeça de galinha.
Humor: Machão todo cheio de coragem
Ontem eu aprendi como é o processo sensorial. Tudo que está
envolvido neste simples ato de comer. Temos fatores fisiológicos, psicológicos,
do meio e estes fatores são determinantes para definir se gostamos ou não de
certos alimentos.
"Meu dever de casa" é experimentar algo que eu
deteste, não goste, tenha asco, resistência, falta força para experimentar ou
para voltar a comer. Estou dividido entre algumas coisas que não me dão certa
aversão, tais como, rins, tripa e testículos bovino ou de outros mamíferos,
assim como cérebro, cabeça de galinha, ou um simples molho branco. Só não abro
votação, pois tenho medo da pervesidade do ser humano. Mas isto é outro dia e
nos teclamos depois.
Humor: Agitado, ansioso, nervoso, apreensivo, mas feliz e
muito animado.
Inspirado pela intensidade emocional, os traumas superados,
a coragem em forma de humor e o desafio sensorial que envolve a culinária
afetiva, esta receita é mais que um pão: é um gesto de acolhimento. É o cheiro
da infância sendo refeito. Um pão que não é só pão, é afeto fermentado com
técnica, paciência e superação. Vamos colocar a mão na massa — com alma.
Ao cortar esse pão ainda quente, você não está apenas
comendo — está se reconectando com uma parte sua que ficou adormecida no café
com leite da infância ou no bandejão da juventude. Cada mordida é um ato de
coragem. E se, no final, você ainda não amar pão ou leite, tudo bem. Você
tentou. E isso, meu caro leitor, já é banquete.
Bon appétit — com alma.
Ingredientes
Para o pão:
- 500g
de farinha de trigo tipo 1 (de boa qualidade)
- 10g
de sal marinho (ajusta a memória do chuchu)
- 60g
de açúcar refinado (adoça o trauma do café com leite)
- 10g
de fermento biológico seco
- 300ml
de leite integral morno (retorno triunfal do leite, sem margarina!)
- 2
ovos inteiros (estrutura, afeto e cor)
- 60g
de manteiga sem sal (funde e cura traumas passados)
- Raspas
de noz-moscada (um toque francês que embala lembranças)
- Gema
para pincelar
Modo de Preparo
- Mise
en Place: Organize seus ingredientes com carinho e cuidado. Respire.
Cozinhar é um ritual. Aqui começa a cura.
- Pré-fermentação
(Autolyse com técnica francesa): Misture o leite morno com o fermento
e um pouco do açúcar. Deixe descansar por 10 minutos até espumar. Isso
ativa as leveduras e simboliza o despertar de quem enfrentou medos.
- Mistura
da massa (Technique: Pétrissage): Em uma tigela grande ou na batedeira
com gancho, misture a farinha, sal, açúcar restante, ovos e o fermento
ativado. Sove até obter uma massa homogênea.
- Incorporação
da manteiga: Adicione a manteiga em temperatura ambiente aos poucos.
Sove bem. Esse momento exige paciência — como lidar com o próprio passado.
A massa ficará lisa, elástica e um pouco pegajosa. Se precisar, um pouco
mais de farinha. Confie.
- Primeira
fermentação (Pointage): Cubra com um pano limpo e deixe crescer por
cerca de 1h30 a 2h, até dobrar de volume. É o tempo da digestão emocional:
lento, interno e transformador.
- Modelagem
(Façonnage): Modele os pãezinhos com as mãos untadas. Pode ser em
forma de bolinhas, tranças ou um único pão grande de forma. Criatividade é
bem-vinda: é a estética emocional se manifestando.
- Segunda
fermentação (Apprêt): Deixe crescer por mais 40 minutos. A ansiedade
aparece, mas o tempo é parte do sabor.
- Finalização
e Forno: Pincele com gema. Leve ao forno pré-aquecido a 180°C por
30–35 minutos ou até dourar. O cheiro que se espalha pela casa cura o que
a psicoterapia não alcança.
Harmonização Emocional com o Texto
Este pão é um gesto de reconciliação com o passado. Ao
contrário do café com leite sabotado e do chuchu da Unicamp, ele representa um
alimento feito por você, com controle, intenção e afeto. Ele não te ataca, ele
te acolhe. A textura macia e o aroma de manteiga aquecem a memória e
transformam o “asco” em “aconchego”. O processo sensorial aqui é pleno:
amassar, sentir, esperar, observar, provar. Superar.
Harmonização de Bebidas
Vinho Branco Jovem (Chenin Blanc ou Gewürztraminer):
A leveza e toque floral harmonizam com o dulçor sutil do pão.
Espumante Moscatel Brut: Bolhas que celebram a
vitória sobre o trauma. Frescor que limpa o paladar, como o pão limpa as
memórias.
Drink autoral – "Memória em Fermento":
- 40ml
de rum envelhecido
- 20ml
de licor de laranja
- Suco
de limão
- Espuma
de leite com raspas de noz-moscada
Um coquetel com notas quentes, cítricas e lácteas para fazer
as pazes com o passado.
Características Nutricionais Gerais do Prato
- Fonte
de carboidratos complexos: energia prolongada, ideal para momentos
emocionais intensos.
- Rico
em proteínas de origem animal (ovos e leite): sustentação e conforto.
- Gorduras
boas (manteiga): essenciais para a absorção de vitaminas e para o
sabor.
- Baixo
teor de sódio: com controle consciente no preparo.
- Altamente
digestível: especialmente quando fermentado com tempo adequado.
Técnicas Francesas Utilizadas
- Mise
en Place: Organização emocional e prática — clareza na cozinha,
clareza na mente.
- Autolyse
adaptada: Técnica que permite à farinha hidratar e desenvolver glúten
antes da sova.
- Pétrissage
(sova): Desenvolve estrutura, força e textura. Como terapia para as
mãos.
- Pointage
& Apprêt (fermentações): Tempo e paciência como ingredientes.
- Façonnage:
Arte da modelagem, personalização da massa. É você no prato.
- Dorure
(glaçagem): Gema pincelada antes de assar — acabamento que seduz o
olhar e homenageia o cuidado.
Aplicação das Técnicas na Receita
A fusão da tradição francesa com a cozinha afetiva
brasileira transforma essa receita em algo mais do que culinária — é um
processo simbólico. Cada técnica sustenta o resultado final: um pão leve,
dourado, perfumado e emocionalmente significativo. A estrutura da panificação
francesa serve como o esqueleto técnico de um corpo afetivo profundamente
brasileiro.
Comentários
Postar um comentário